O economista e professor Márcio Kalkmann descreve no artigo a seguir, sobre os fatores que influenciam na autonomia dos bancos centrais dos países e suas funções na economia

 

O Banco Central do Brasil (BACEN) deve ser uma autarquia independente e autônoma ou deve ser conduzida por interesses de diferentes governos? Para responder a esta questão, primeiramente temos que tentar responder a outros questionamentos importantes e, um destes questionamentos seria: Como podemos colher uma estabilidade econômica em termos produtivos e monetários? 

Quando ouvimos falar do BACEN sempre nos vem à mente duas coisas: inflação e taxa básica de juros. De forma geral, isso é verdade, o BACEN tem por finalidades cuidar da estabilidade da moeda nacional, assegurando o poder de compra da mesma. Mas também, de forma direta, tem por finalidade assegurar que entidades bancárias, cooperativas, bancos múltiplos, companhias hipotecárias, corretoras, caixas econômicas e demais instituições e agentes financeiros sigam certos critérios que resultarão na manutenção da credibilidade e confiabilidade das instituições financeiras.

De tempos em tempos ocorrem certas inquietações políticas em relação a decisões tomadas no BACEN. Uma das principais reclamações dos governos em relação a bancos centrais se refere a manutenção de taxas de juros acima dos patamares adequados para crescimento econômico. Já dizia um velho ditado judaico: “juros cobrados pelo empréstimo são como picadas de cobra”.

Mas vamos lá! Bem na verdade, juros elevados são um efeito colateral (ou então um remédio amargo) para tentar solucionar alguma “doença” na economia, mais especificamente, na moeda de um país. Geralmente um dos fatores que se deseja corrigir através da cobrança de juros mais elevados é a “inflação”.

Assim como nosso sangue precisa ter batimentos cardíacos dentro de uma determinado ritmo e pressão, a inflação, de forma análoga, também precisa estar dentro de determinado ritmo ou pressão para que o poder de compra de um país não colapse. Neste sentido, o BACEN – Banco Central do Brasil, tem por finalidade cuidar da saúde da moeda aferindo a inflação através da taxa de juros. Logo, quando a inflação está acima daquilo que é definido pelas esferas governamentais, o BACEN pode intervir para tentar assegurar que a mesma se mantenha dentro do esperado, ou seja: dentro da meta estipulada por determinado governo.

Geralmente os governos querem manter a inflação em patamares adequados para que a economia se mantenha aquecida e por isso procuram ser conservadores nas metas de inflação. Os governos sabem que se manterem uma inflação dentro da meta, geralmente a economia consegue surfar um crescimento mais sustentável, criando empregos o mercado mantendo um certo ritmo de crescimento de produção e de empregos. Muitas vezes é dito que apenas a variável inflação é levada em consideração na definição de uma taxa de juros. Porém outros fatores também são fundamentais, principalmente aqueles que envolvem expectativas dos agentes que investem em um país ou fora dele. Por exemplo, expectativas de gastos governamentais sustentáveis trazem confiança aos investidores pois indicam que o governo está comprometido em não abusar nas contas públicas, tanto de origem arrecadatória como no cumprimento de pagamentos de dívida pública ou na emissão de novas dívidas. Ou seja: nem só de inflação que se definem os juros em uma economia.

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Dentre algumas causas podemos citar a situação de um país que começa a acumular muitas dívidas. Neste caso, credores passam a exigir um juro maior para emprestar os seus recursos, pois percebem que determinado governo está aumentando seus gastos de forma irracional. Mesmo tendo uma boa intenção, os gastos do governo podem estar mal planejados, possuindo uma alocação ineficiente e não refletindo em retornos de investimentos privados. Keynes já dizia que o governo deve investir em momentos em que o espírito animal dos investidores estivesse retraído. Mas quando governos gastam equivocadamente, a consequência é desperdício de dinheiro público.

Neste ponto entra em cena a questão política. Pois para corrigir isso, são necessárias reformas estruturantes, como reforma tributária, reforma administrativa, reforma previdenciária, além de mecanismos públicos que facilitem abertura de empresas e realização de negócios com a menor burocracia possível e que principalmente: “limitam o tamanho do governo” e “definem o tamanho do mercado”. Ou seja, esses fatores anteriormente citados podem gerar, quando bem alinhados, uma previsibilidade nos cenários econômicos, incidindo em aumentos de investimentos que podem reproduzir queda na taxa de juros também. Entretanto, se não cuidados e não tratados de maneira técnica, poderão se transformar em uma amarga redução de previsibilidade de negócios e em consequência, queda de investimentos.  Em outras palavras, taxas de juros são determinadas em primeira instância por elementos que compõe a meta da inflação, mas de forma direta podem também estar sendo determinadas por elementos de que impedem ou promovem certa previsibilidade de negócios.

Seria tão fácil se os juros fossem apenas reflexo da inflação. Porém, a inflação, no cálculo da taxa de juros, pode em certas ocasiões refletir apenas a ponta do Iceberg. O que significa dizer que juros podem estar escondendo, além da perda do poder de compra, muitas outras incertezas. Por exemplo: incerteza sobre o futuro dos negócios privados, a política fiscal e as tão sonhadas reformas estruturantes. Juro elevado também é sinônimo de aumento de custo da dívida pública. Por isso, é extremamente importante que os diferentes governos escolham cartilhas técnicas e mantenham certa estabilidade na condução de suas políticas econômicas, cuidando para que consigam, dentro da normalidade, atingir, de preferência superávits primários consistentes. Ou seja, os governos precisam entender que seus orçamentos devem respeitar certos limites. Caso contrário, a culpa não pode ser terceirizada para o BACEN posteriormente, principalmente em casos deste último ser independente e autônomo.

É por isso que é importante manter Bancos Centrais com certa autonomia e independência. Não tem a ver com gostar ou não gostar de certas políticas econômicas. Mas sim de dar certos remédios quando necessário, principalmente na ocasião de políticas inconsequentes que podem minar a saúde da moeda. Em outras palavras, é necessário ter uma entidade que mantenha o pé no chão, longe dos holofotes populistas, mantendo condições de entender e não ocultar as tendências no mercado doméstico e internacional, fazendo a leitura correta da migração e imigração dos investimentos e, principalmente fazendo um pente fino nas políticas econômicas de diferentes governos, visando corrigir as rotas com a maior imparcialidade possível e sempre que for necessário.

Ter um Banco Central Independente e autônomo não significa tê-lo imune a críticas. Pelo contrário, é necessário sempre que possível aprimorar técnicas visando melhor aferi-lo. Importante salientar que dependendo do cenário internacional, se já é difícil atingir certas metas de crescimento e controle de inflação, imagine sem a autonomia desta importante autarquia. Mas ter um Banco Central independente também escolher aumentar a imunidade a certas políticas inconsistentes, é saber interpretar possíveis críticas de diferentes governos, é escolher seguir a ciência econômica, é respeitar as leis naturais que permeiam a confiança financeira e monetária em determinado país. Esse respeito ao BACEN poderá promover, no médio e longo prazo, de forma indireta, uma maior capacidade de pagamento de dívidas governamentais, uma maior confiança para investidores, atração de novos e melhores investimentos, novas oportunidades de negócios, redução da taxa de desemprego, redução da pobreza e desigualdade, aumento do PIB, além do controle das aventuras populistas de diferentes governos.

 

Escrito por: 

Prof. Me. Márcio Leandro Kalkmann

Economista, Mestre em Economia