Nesta semana, um plano muito famoso e um dos mais importantes para o Brasil completou 30 anos. Em resposta à grave crise de hiperinflação que afetava o país há décadas, surge em 1994, o Plano Real, um marco decisivo na história econômica do Brasil. Sob a liderança do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, durante o governo de Itamar Franco, o plano visava estabilizar a economia e restaurar a confiança tanto da população quanto dos investidores. A hiperinflação era um problema crônico, com taxas que frequentemente ultrapassavam os mil por cento ao ano, corroendo salários, economias e desorganizando toda a economia. Em meio ao caos dos preços que não paravam de subir, alguns economistas como Pérsio Arida e André Lara Resende, que também já tinham tentado resolver os problemas do Plano Cruzado, novamente estavam no campo de batalha para tentar vencer esse “câncer” que afligia a economia. Outros economistas como Gustavo Franco, Pedro Malan também se reuniam frequentemente para ajudar a estruturar possíveis soluções.

Como já haviam testado algumas alternativas de combate à inflação sem sucesso em anos anteriores, o problema e a desconfiança pareciam ainda mais desafiadores, tendo em vista que se tratava de um “tal” de “inflação inercial”. Esse fenômeno ocorria devido à indexação generalizada de preços e salários, onde os reajustes eram realizados automaticamente com base na inflação passada. Isso criava um ciclo vicioso em que a expectativa de inflação futura perpetuava a inflação presente, dificultando a implementação de políticas eficazes para combatê-la. A população e as empresas ajustavam constantemente seus preços e contratos para se protegerem da perda de poder de compra, o que alimentava continuamente a inflação. De forma geral, a inflação inercial é na verdade uma desconfiança somada a um descrédito total na moeda e no seu poder de compra, fazendo com que toda sociedade tente se desfazer dela o quanto antes, pois os consumidores estavam perdendo a capacidade de unidade conta e reserva de valor.

Para romper esse ciclo, a primeira fase do Plano Real envolveu uma série de medidas fiscais e administrativas destinadas a equilibrar o orçamento público. O governo adotou cortes nos gastos e aperfeiçoou os mecanismos de arrecadação de impostos, buscando criar um ambiente econômico mais controlado e previsível. Em paralelo, foi introduzida a Unidade Real de Valor (URV), uma unidade de conta que desindexava a economia, ajustando diariamente preços e salários para reduzir a inércia inflacionária e preparar o terreno para a nova moeda. Em julho de 1994, a URV foi convertida no Real, com uma taxa de câmbio inicial de paridade com o dólar americano. Essa transição foi cuidadosamente planejada e executada, garantindo que a nova moeda fosse adotada de forma eficiente e sem traumas para a economia. O lançamento do Real marcou o início de uma nova era de estabilidade monetária no Brasil. A inflação, que antes alcançava níveis astronômicos, foi drasticamente reduzida, proporcionando um ambiente de estabilidade de preços. Com isso, o poder de compra dos brasileiros aumentou significativamente, beneficiando especialmente as camadas mais pobres da população.

Além disso, a estabilidade econômica criou um cenário propício para o retorno dos investimentos, tanto nacionais quanto estrangeiros, impulsionando o crescimento econômico do país. O sucesso do Plano Real não passou despercebido no cenário internacional. O Brasil ganhou reconhecimento e confiança dos investidores estrangeiros, o que resultou em um aumento significativo de investimentos no país. A estabilização econômica proporcionada pelo Plano Real estabeleceu as bases para um período prolongado de crescimento e desenvolvimento, transformando profundamente a economia brasileira e melhorando a qualidade de vida da população.

De forma geral, o Plano Real foi um plano bem-sucedido (não há como tratar aqui neste artigo todas as demais repercussões positivas e pontos negativos devido a complexidade da temática), mas naquilo que o Plano Real se propôs, há um consenso entre economistas (e eu compartilho dessa visão) de que foi realmente bem sucedido, pois atenuou e controlou a hiperinflação, instaurando e possibilitando uma nova fase de estabilidade e crescimento econômico no Brasil. Através de medidas fiscais rigorosas, a criação da URV e o lançamento do Real, o plano conseguiu restaurar a confiança na economia brasileira e pavimentar o caminho para um futuro mais próspero. Neste sentido e finalizando este artigo, penso que é sempre importante analisarmos e lembrarmos dos problemas econômicos e como os vencemos, fazendo com que mantenhamos vigilantes sobre tais fenômenos, entendendo também a importância de termos bons profissionais da área da Economia e respeitando a autonomia das instituições do país.

O legado que até hoje o Plano real nos deixou e, ainda nos deixa, é muito importante. Num momento em que o país enfrentava o monstro da inflação, a sociedade se uniu e conseguiu promover uma solução que resiste há 30 anos, fundamental para a manutenção da estabilidade econômica do país. De lá para cá, as instituições se fortaleceram ainda mais, pois uma moeda estável e confiável permite que a democracia funcione melhor, o mercado consegue evoluir em seus negócios e a sociedade como um todo colhe os frutos. Que tenhamos diligência e que continuemos aprimorando os mecanismos que colocaram um fim à hiperinflação e que os próximos 30 anos sejam de uma estabilidade muito melhor.

 

n 0069

Marcio Leandro Kalkmann

Professor e Pesquisador na FAHOR